sábado, 5 de março de 2011

Inofrmações: Coisa de preto


Por Mathias Gonzalez

Quem ler este artigo vai, definitivamente, parar de dizer coisas simplórias do tipo: “No Brasil, não tem preconceito racial... pode ter social, mas racial nunca”; ou “racismo é coisa do passado, vivemos em uma sociedade igualitária”; ou ainda “quem tem preconceito de cor é o próprio negro, ele é que se discrimina.” Pura bobagem! Você vai ver que não é bem assim.

Quem é branco (incluam-se aí os pardos ou amarelos), não sabe o quanto um negro sofre neste país. Tem coisas que só um negro ouve, vê e sente. E não é nenhuma doença psiquiátrica do tipo alucinação ou esquizofrenia. É real mesmo. Sou negro, 1.81m de altura, 83 quilos, visto por muitos como “negro de boa aparência”. Boa aparência? Quer dizer que tem negros de boa ou má aparência? Baseado em qual padrão? Europeu? Pelo visto tem sim. Se o sujeito for negro, alto, atlético e tiver caminhando na praia de sunga ou bermuda, a mulherada ainda que goste da raça, vai pensar, no mínimo, que ele é um pagodeiro, capoeirista, sambista ou jogador de futebol da terceira divisão Claro, não pensará nunca que o cara pode ser um médico, um cientista ou escritor. Se estiver de terno preto e gravata, vão carimbar logo: segurança ou motorista particular. Por isso, deixei, definitivamente, de usar ternos pretos em festas. Pois me cansei de ser abordado por homens e mulheres brancas pedindo para: informar onde ficava a toillete, onde poderiam fumar, se poderiam pegar o carro deles no estacionamento e alguns até, sem qualquer cerimônia e sempre com um sorriso complacente nos lábios, depositavam gentilmente em meus braços seus casacos de pele ou sobretudo, pedindo que eu os guardassem em lugar seguro.

Certa vez uma senhora muito elegante fez isso e eu alisei o caso de pele de martae perguntei: - desculpe senhora, essa pele é original mesmo? Quero dar de presente para minha esposa, mas sempre fico na dúvida... como saber se é original? - Como disse?!!!!... “ A mulher me olhou com ar espantado e antes de concluir a resposta, viu o verdadeiro segurança da festa retirar das minhas mãos o casaco e informá-la onde seria guardado. Minha vingança naquela noite foi circular pelo salão com uma taça de vinho branco e, todas as vezes que encontrava a dita senhora, fazia um aceno e dizia: “boa noite... divirta-se senhora”.

Mas não fica por aí. Certa vez, eu morava na área nobre de Copacabana, estava atrasado para um compromisso e tive que sair correndo do meu prédio para pegar um taxi na rua. Mal saí do edifício e fui detido por dois PMs, segurando cassetetes e arma na mão:

- Teje preso!!! Gritam em uníssono.

– Largue a maleta!! Mão na parede meliante! Documento!!!

Fiquei sem saber o que deveria fazer. Com as mãos na parede, não poderia mostrar meus documentos. Também nem ia adiantar. Já estava preso mesmo. Quem manda ser preto e sair correndo de um prédio em Copacabana com uma maleta na mão? Até explicar o mal entendido, ser revistado, mostrar todos os documentos, contra-cheque, CPF, RG, Título de Eleitor com comprovante da última eleição... e ser finalmente liberado, perdi o compromisso. Os PMs (todos brancos) me liberaram, mas ainda me fizeram uma advertência:

- Olha aí doutor... tome mais cuidado. Melhor não sair correndo na rua... o senhor pode até levar um tiro...

Daquela data em diante, ando pé-ante-pé e, quando vejo uma dupla cosme-e-damião, dou um sorriso, faço um aceno e passo de mansinho. Não quero mais passar pelo constrangimento da abordagem truculenta ou levar uma bala perdida.

Mas não acabou aí. Sendo negro, não posso estar parado na porta de uma loja esperando minha filha que foi ao banheiro das meninas. Muita gente que entra na loja vai logo me perguntando: - Onde fica a seção de calçados, moço? Ou – Pode me dizer que horas a loja fecha hoje? Quando respondo que não sei, ainda ouço o resmungo da pessoa se afastando:

– Nego burro... não sabe de nada!!

Certa vez uma senhora até me pediu par segurar o cachorro dela enquanto ia pegar uma sacola de compras, bem rapidinho. Só de maldade eu disse a ela:

- Pode entrar com seu cão, senhora.

Minutos depois, vi a mulher furiosa sendo posta pra fora com seu poddle latindo furiosamente. A mulher berrava dizendo que o “segurança tinha autorizado”. Eu me rachava de rir, espiando tudo de longe. Não foi merecido? Ela vai ter o cuidado de perguntar da próxima vez se a pessoa que está ali é o segurança. Nem todo negro na porta de uma loja é o vigia, guarda, segurança ou informante.

Houve até um governador de Brasília, que mandou dar uma “salva de vaia em um preto petista” para um rapaz negro e seu opositor político durante um comício. Depois, ao receber duras críticas de ONGS anti-racismo, disse que gostava de pretos... – Gosto tanto que tenho na minha casa minhas empregada (sic) são todas pretinhas...” Depois disso, o famigerado governador se desculpou, em um palanque, com o rapaz que ofendera, em público e, diante das câmeras, deu-lhe um beijo na cabeça e exclamou: “ Hummmm... é um pretinho mas é até cheiroso!!”

Ser preto é ser, por acaso, malcheiroso? Meu pai (que também é negro) me chamou a atenção para o fato de pessoas brancas que, ao passarem por ele, colocavam a mão no nariz. Eu não tinha reparado, mas ele, com mais anos de negritude e discriminações, já tinha percebido. Acreditem, é verdade. Muitas pessoas ainda fazem isso quando passam por um homem ou mulher negra. Branco não fede a suor? Preto não usa desodorante?

Assim, quero dizer que ser negro, no Brasil, não é fácil. Se estiver bem vestido, é confundido com profissionais serviçais; se não estiver, será marginal, bandido em fuga ou alguém infradotado. Portanto, de hoje em diante, se você for branco ou não, quando vir um homem ou mulher negra, não não a estereotipe, não a carimbe, não a rotule, antes de saber quem ela realmente é. Pode ser quem você pensa, mas pode ser um cara como eu e, provavelmente, você não vai gostar nem um pouco da resposta malcriada que vou lhe dar. E olhe, tenho 4 pós-graduações, só uso perfume pólo e tenho carro importado. Coisa de preto!!

(*) Mathias Gonzalez – é psicólogo e escritor

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